domingo, 29 de maio de 2011

O Gibi Rasgado está fazendo aniversário!

Domingo que vem, dia 05 de junho, o Gibi Rasgado fará 01 ano de existência.

Por que criar um blog? E – mais absurdo ainda – por que mantê-lo durante um ano inteiro? E ainda mais sobre quadrinhos?

Pensei muito nisso durante os últimos doze meses.

E, claro, não cheguei a nenhuma conclusão.

O ser humano, quando não encontra razões para justificar seus próprios atos, possui a insistente mania de culpar os outros. Da irmã mais velha à crise na China, há sempre um culpado que não ele próprio.

Como todos os dias, hoje pela manhã, ao escovar os dentes, verifiquei minuciosamente se meus olhos não haviam ficado violetas e se não tinham me aparecido escamas no rosto ao invés de barba.

Como não virei a Liz Taylor e também continuo humano, resolvi culpar algumas pessoas por esse blog existir.

O primeiro da lista é meu pai. Lia tanto gibi que acabou registrando isso no código genético, sei lá. De alguma forma me passou esse negócio. Um dia terei filhos também e espero que tenham o mesmo fúnebre destino.

Minha mãe também é culpada. Onde já se viu comprar gibi pro filho, naquela pindaíba em que vivíamos? Culpada sem direito a defesa por ter alimentado o filho com sonhos ao invés de mortadela barata.

E nesse veredicto incluo minhas duas irmãs, por terem sido coniventes com o crime.

E a lista se estenderia por páginas inteiras se eu incluísse aí todos os moleques que emprestaram ou pegaram emprestado os milhares de gibis da minha adolescência.

Mas darei um salto de décadas e me concentrarei apenas naqueles de quem tenho provas claras da culpa.

Lucas Pimenta, com seu jeito de bom baiano, resolveu se aproximar dos seus colegas de classe virtual no curso de roteiro do SENAC.

“Por que você não faz um blog?” , “Dá uma olhada nesse blog, é bem bacana”, “Cê já entrou no meu blog?”, “É muito fácil fazer, você devia tentar…”.

Não acredito até agora que caí nessa conversa mole. Devia ter desconfiado mas, crédulo que sou, confiei nesse sórdido sujeito.

Marcello Fontana, Sergio Barreto e Carlos Portilho, ao que tudo indica, também foram vítimas das artimanhas desse vil senhor pois juntos inauguramos o Quadro a Quadro. Culpado 04 vezes. E a lista não pára de crescer: Eve, Dadal, Dan e Sou também estão no QaQ, por maior ou menor influência dele.

Um inocente e-mail (iniciativa minha, confesso), começou uma intensa troca de correspondências com o roteirista mineiro Wellington Srbek. O blog também só ficou esse tempo todo no ar graças a esse senhor. A lista dele também não é pequena, observem:

Culpado por escrever tão bem e produzir histórias fantásticas.

Culpado por ter um blog excelente e inspirar a linha deste.

Culpado por responder meus e-mails e comentários (todos, sem exceção).

Culpado também por comentar neste blog.

E agora, imperdoavelmente culpado por confiar a mim o roteiro de uma adaptação de William Shakespeare em quadrinhos (essa é indefensável).

E para não dizer que eu entrego apenas quem está em outro estado, em São Paulo poderemos encontrar na Praça Roosevelt o Gual, a Dani e o Floreal. Todos culpados por serem donos e colaboradores da HQMix Livraria.

Onde já se viu honestos comerciantes e trabalhadores serem amigos de seus clientes? E pior, pararem seus afazeres pra ficar batendo deliciosos papos sobre quadrinhos?

Por terem ensinado este humilde blogueiro muito sobre as tendências, a técnica e a história dos quadrinhos nacionais, os considero culpados também por este aniversário.

E por fim, a Cátia – esposa e companheira há 15 anos.

Culpada por ser uma pessoa tão interessante.

Culpada pelo conluio com o Lucas pra que eu fizesse esse blog.

Culpada por me dar coragem em escrever pro Srbek.

Culpada por ler todas as postagens.

Culpada por ficar uma década inteira acreditando que eu pudesse voltar a escrever quando eu mesmo já tinha esquecido que era capaz.

Culpada por ser o motivo de eu acordar todas as manhãs e culpada, principalmente, por me fazer crer que o mundo não valeria a pena sem ela.

Como disse, sempre há um culpado.

No caso deste blog existem vários.

E sou imensamente grato a cada um deles.

Muito obrigado por acreditarem no Gibi Rasgado.

domingo, 22 de maio de 2011

Noturno e soturno.

20110521_NoturnoEstava concentradíssimo numa planilha lá no trampo quando ouvi a pergunta: quanto no Barça e Real?

Bolão de futebol é coisa comum num banco. Campeonato Paulista, Carioca, Gaúcho, Brasileiro e até Europeu! Pensei por 03 segundos, “O Barça acabou de perder a Copa do Rei pro Real, não vai perder a 2ª seguida”

- Bota aí: dois a zero pro Barça!

E ainda cravei: dois gols do argentino.

Só eu e o Cidão acertamos: R$ 88,50 para cada um.

Já dizia com seu sotaque carregado a velha Joana, minha bisavó, na sabedoria dos seus 97 anos: “Dinero de juego suço (sujo), não pode ficar en las manos…”. Como não sou de desobedecer os mais velhos – ainda mais os mortos – separei os R$ 3,00 do investimento original e torrei os R$ 85,50 restantes.

Metade foi gasto na Cacau Show, numas caixas de bombons bem bacanas pra Cátia – a minha patroa. A outra metade foi pro vício.

E já que era o Messi que estava pagando, por coerência comprei um gibi argentino: Noturno. E todo o humor da situação acaba aqui.

Noturno (Zarabatana – Coleção Fierro nº1 – R$ 41,00) não é um gibi comum, pelo menos não por essas bandas de cá. Primeiro porque foi feito por um argentino e no geral temos a péssima mania de achar que só os americanos e japoneses fazem quadrinhos – o talentoso Salvador Sanz – segundo porque não estamos acostumados aos quadrinhos de lá.

E nosso desconhecimento da produção vizinha pode causar algumas surpresas.

Mafalda é uma velha conhecida, mas a invasão de quadrinhos como Macanudo (Liniers)  e a revista Fierro (que traz um monte de gente bacana) nos mostra o quanto ainda podemos aprender com nossos hermanos. Os quadrinhos argentinos são ótimos e lhes transferir a velha richa existente entre Brasil e Argentina seria – para se dizer o mínimo – infantil.

E de infantil esse belíssimo álbum da Zarabatana não tem absolutamente nada. Noturno conta a história de uns pássaros grandões, vindos de um mundo antigo e estranho e que pretendem invadir a terra. Para isso trocam de corpos com uns humanos que não sabem direito o que está acontecendo.

Satisfeito? Então pode parar de ler a resenha porque o gibi é isso mesmo.

Não está satisfeito né? Então vamos lá…

nocturno7

A história toda gira em torno de Lucia e Lucio, dois espectadores de um show de magia, que não se conheciam até subirem ao palco como voluntários para um dos quadros do espetáculo: serem transformados em pássaros de fogo.

O Mágico – um cara estranho, com penas no pescoço e uma máscara em bico – promete magia de verdade.

A partir daí teremos uma história alucinante.

A magia, é claro, era verdadeira e Lucia e Lucio começam – cada um em sua rotina – a viverem experiências inexplicáveis. Lapsos de memórias e sonhos estranhos, com ovos servindo de incubadora, pássaros assustadores e árvores gigantescas. Os sonhos transformando-se em pesadelos numa velocidade vertiginosa. E tão rápido quanto, os pesadelos viram realidade.

Num preto e branco de traços belíssimos, Salvador Sanz nos leva a um passeio pela moderna Buenos Aires, sempre na companhia de Lucio ou Lucia. E nos mostra como uma vida comum, de jovens comuns, pode ser uma maldição quando o fator sobrenatural é introduzido.

Um raça antiquissíma flerta com os humanos há tempos. Suas intenções são postas à mesa: tudo faz parte de um plano para uma invasão em massa.

De um lado uma força primitiva, feroz, inteligente e mágica, personificada por pássaros enormes, com anatomias bastante adequadas às suas personalidades.

Do outro dois jovens que não se conhecem mas estão ligados por uma maldição que os coloca em meio a um turbilhão de acontecimentos que pode mudar os rumos da humanidade.

No meio, ora transitando num lado, ora no outro, um ser mágico que não é nem homem, nem pássaro, com inseguranças bastantes humanas e uma ansiedade crescente em retornar ao seu mundo; um cara normal, com uma vida banal, mas que sonha em se tornar um daqueles bichos também (tal qual as menininas de hoje, que sonham com a vida eterna prometida em Crepúsculo), uma força militar que sabe mais do que aparenta e milhares de outros jovens estigmatizados com a mesma desgraça de Lucio e Lucia.

E referências à cultura pop, dezenas delas. Do O Exorcista a O Enigma de Outro Mundo, passando por Aliens  e Um Lobisomem Americano em Londres, mas sem nunca perder de vista Borges, Cortázar e toda a enorme tradição argentina na literatura fantástica, Noturno é um espetáculo aos fãs de uma boa história.

Até o final – aparentemente água com açúcar – é uma homenagem aos velhos filmes B da décadas de 50, com sua mudança de situação surpreendentemente divertida.

Mas Noturno não é um gibi engraçado, sua mistura de sexo, horror, realidade e fantasia se equilibram e se transformam durante a leitura, nos divertindo e nos causando medo.

É fantasia de verdade, de um jeito bom e com um senso de humor estranho. Repugnante e atrente ao mesmo tempo, esteticamente Noturno se aproxima muito dos belíssimos PAG_4 capitulo 2álbuns europeus das décadas de 70 e 80, como Os Imortais (Bilal), Drunna (Serpieri) e Ranxerox (Libertarore e Tamburini), sem nunca desonrar a própria tradição argentina no gênero, imortalizada pelo El Eternauta (de outro gênero – a Ficção Científica – mas ainda assim o maior expoente da fantasia argentina e uma das melhores coisas produzidas nos quadrinhos em todos os tempos).

A Zarabatana Books merece todos os elogios pelo excelente projeto editorial que vem fazendo. Os quadrinhos argentinos são uma atraente opção de leitura e esse Noturno em especial não é o tipo de gibi que se vê todo dia.

Tá… O Messi também merece um certo crédito, afinal foi ele quem pagou a conta.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Editora Nemo: e não é que eu vou fazer um gibi?

Dez anos no Teatro União e Olho Vivo ensinaram-me uma porção de coisas…

Assisti centenas de peças, conheci milhares de pessoas que fazem, respiram e pensam teatro, rodei o país em festivais e perdi as contas das apresentações que fizemos em toda a periferia da Grande São Paulo nesta última década.

E aprendi muito. Conheci os textos de Brecht, Ionesco, Miller e os clássicos gregos. De César Vieira, nosso dramaturgo, li todos (inclusive aqueles que nunca foram publicados) e também Guarnieri, Boal e Qorpo Santo.

E Shakespeare, como não poderia deixar de ser.

Só nunca imaginei que minha vida no teatro cruzaria com minha paixão por quadrinhos. Isso é algo que definitivamente eu não esperava.

Mas a vida é um troço engraçado: fiz um blog de quadrinhos, as pessoas acessaram, começaram a curtir o que eu andava postando e de tanto escrecer sobre quadrinhos, acabei convidado a escrever quadrinhos. No caso a adaptação da peça Sonho de Uma Noite de Verão.

O convite partiu do roteirista Wellington Srbek, agora editor da novíssima Editora Nemo.

O traço ficará a cargo do talentosíssimo Wanderson de Souza, conhecido colaborador da Nanquim Descartável.

E como eu já falei demais sobre mim, segue a apresentação oficial da Nemo:

Quadrinhos: a nova aposta do Grupo Editorial Autêntica

Editora NEMO reúne nomes mundialmente consagrados e
grandes talentos brasileiros das HQs

Após a ampliação de seu escritório em São Paulo e da equipe que vai trabalhar exclusivamente com a Editora Gutenberg, o Grupo Editorial Autêntica parte, em 2011, para uma nova empreitada: os quadrinhos. E para abarcar as obras dessa fascinante forma de arte, chega ao mercado a Editora NEMO, que lançará seus primeiros títulos no mês de julho. A proposta da nova marca é reunir nomes consagrados das HQs e autores brasileiros contemporâneos, valorizando essa linguagem artística repleta de preciosidades. Entre os autores que vão compor nosso catálogo, estão os consagrados Jean Giraud, francês conhecido internacionalmente pelo pseudônimo Moebius, e o italiano Hugo Pratt, autor do clássico personagem Corto Maltese, além de vários talentos dos quadrinhos brasileiros.

Com a coordenação de Wellington Srbek, roteirista, editor e pesquisador de quadrinhos, a Editora NEMO publicará suas obras no formato álbum. “Optamos inicialmente pelo formato conhecido na Europa e no Brasil como álbum, que nos Estados Unidos é chamado de graphic novel. Publicados nos tamanhos 20 cm x 28 cm ou 24 cm x 32 cm, os álbuns da NEMO primam pela qualidade artística, reunindo nomes consagrados das HQs e também talentos surgidos no mercado brasileiro. Aliás, uma marca registrada de nossa editora de quadrinhos é justamente a valorização da produção nacional, com a maioria dos álbuns e coleções sendo produzida por autores nacionais”, explica ele.

Ainda de acordo com Wellington Srbek, as HQs da NEMO serão divididas nas coleções Moebius, História & Quadrinhos, Versão em Quadrinhos e Shakespeare em Quadrinhos, além das séries Corto Maltese e Mitos Recriados em Quadrinhos.

A direção executiva da nova editora ficará a cargo de Arnaud Vin, francês radicado no Brasil há mais de 20 anos. Arnaud é também o responsável pelo desenvolvimento das versões digitais dos títulos da nova editora, que serão disponibilizadas muito em breve para as plataformas iOS (iPhone, iPad) e Android, nas versões português, inglês, espanhol e francês.

Conheça a nova marca do Grupo Editorial Autêntica, Editora NEMO:

logo

Confira as novidades da Editora:

Arzach_capaCOLEÇÃO MOEBIUS: Arzach - Autor: Moebius - Finalmente chega ao Brasil uma das HQs mais influentes e revolucionárias da história dos quadrinhos. Neste primeiro volume da Coleção Moebius, publicado com alta qualidade gráfica e no formato europeu original, encontramos todas as histórias clássicas de Arzach e ainda mais.

CIRANDA CORACI (Série Mitos Recriados em Quadrinhos) - Autores: Wellington Srbek e Will - A história do herói Coraci (o Sol) e de sua noiva Jaci (a Lua) é recriada numa HQ repleta de cor e movimento. Nas páginas desta Ciranda Coraci, personagens e ambientes, mitos e lendas ganham vida através de um texto poético e belas imagens.

O SENHOR DAS HISTÓRIAS (Série Mitos Recriados em Quadrinhos) - Autores: Wellington Srbek e Will - Nas páginas deste álbum, conheça Anansi: O Senhor das Histórias. Em sua companhia, numa fantástica aventura de sabedoria e coragem, descubra a resposta para a pergunta: “de onde vêm as histórias?”

CORTO_capaCORTO MALTESE: A Juventude - Autor: Hugo Pratt - Inédita no Brasil, a aventura que mostra Corto Maltese em sua juventude chega com as características da edição europeia, em cores e capa dura. Um álbum perfeito para novos leitores e indispensável para os fãs da obra-prima de Hugo Pratt.

DOM CASMURRO de Machado de Assis - Autores: Wellington Srbek e José Aguiar - Um dos principais clássicos de nossa literatura ganha Versão em Quadrinhos, numa bela e fiel adaptação produzida por dois autores de destaque das HQs brasileiras.

COLEÇÃO MOEBIUS: Pesadelo Branco & Outras Histórias - Autor: Moebius - Neste segundo volume da Coleção Moebius, encontramos algumas das HQs mais ousadas do gênio francês dos quadrinhos de ficção científica e fantasia.

COLEÇÃO SHAKESPEARE EM QUADRINHOS
Os principais clássicos de um dos maiores nomes da literatura internacional ganham a forma de belas HQs produzidas por novos talentos dos quadrinhos brasileiros.

Romeu e Julieta - Autores: Marcela Godoy e Roberta Pares
Sonho de uma Noite de Verão
- Autores: Lillo Parra e Wanderson de Souza
Otelo
- Autores: Jozz e Akira Sanoki
Hamlet
- Autores: Wellington Srbek e Alex Shibao
Macbeth
; Rei Lear; A Tempestade.

COLEÇÃO HISTÓRIA & QUADRINHOS
Coleção de álbuns inéditos que narram alguns dos momentos mais marcantes de nossa história.

A Guerra de Palmares; A Luta Contra Canudos.

domingo, 15 de maio de 2011

Tapa na cara - Dentada no cérebro

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Quando moleque (mas moleque mesmo, com 9 ou 10 anos), costumava pegar um gibi de forma desencanada. Lia por puro prazer de juntar as palavras e descobrir como aqueles balõezinhos  formavam vozes na minha cabeça.

Vozes que eu – claro – reproduzia nas minhas solitárias brincadeiras ao pé da escada lá de casa (23 degraus, não me esqueço, tenho uma cicatriz para cada um deles). Vozes que décadas mais tarde seriam fundamentais em minha carreira no teatro.

Claro que isso foi antes de Frank Miller virar de cabeça para baixo o mundo dos comics. Era um tempo em que o gibi era só um gibi. Simples assim.

Não havia tantas reviravoltas, sagas intermináveis, 617 títulos diferentes interligados na mesma história e essas mortes e ressurreições que já perderam totalmente a credibilidade.

A história era aquilo que era. No máximo continuava na edição seguinte.

Por isso me incomoda demais a insistente mania que muita gente tem de transformar o quadrinho nacional em um mundo habitado de super seres. É gente demais querendo ser Frank Miller e quase ninguém querendo ser Flávio Colin.

Então quando pego um gibi desencanado, cheio de bom humor e falando português de um jeito que a gente entenda, comemoro. Não é coisa que acontece todo dia, mas felizmente tem acontecido cada vez mais nos últimos tempos.

vigor_mortisEsse é o caso de Vigor Mortis Comics (Zarabatana Books, R$ 30,00).

Sei, latim e inglês no título…

Mas não se enganem, Vigor Mortis está lá na capa porque é o nome da Cia de Teatro Vigor Mortis. Já o Comics do título, bem, isso é só uma das muitas piadas do gibi e faz referência direta aos pulps de terror que embalaram milhares de moleques nas décadas de 40 e 50.

Vocês podem estar se perguntando: Companhia de Teatro? Gibi? Mas que troço é esse?

Explico: Vigor Mortis é o nome de um grupo teatral curitibano, que se inspirou no Tréâtre du Grand Guignol parisiense ( o clássico Teatro dos Horrores ) e que há 14 anos brinda o público com encenações banhadas de sangue e bom humor, com uma estética que se utiliza, se inspira e abusa de elementos próprios dos quadrinhos. Uma mistura doida de teatro, quadrinhos e cultura pop, sem perder a identidade nacional.

Se ficasse só no teatro já seria bom. Mas eis que Paulo Biscaia Filho, dramaturgo e diretor do grupo, resolveu transformar seus seres cênicos em carinhas bidimensionais, com balões simulando falas, sarjetas, quadros e recordatórios…

Não se trata de uma adaptação de uma das peças do grupo, mas sim de uma extensão às montagens, do aproveitamento das personagens numa outra forma de arte.

E o resultado é surpreendente, divertido e, por mais estranho que possa parecer, teatral! Seus zumbis, vampiros (no caso uma vampira com uma dúvida do tamanho da Transilvânia) e demais neuróticos de plantão se sentem bastante à vontade no gibi, como se desde sempre estivessem por ali.

A impressão que se tem ao ler o gibi é que alguma desgraça nuclear ou radioativa atingiu o teatro em que a Companhia ensaiava, transformando os atores nas personagens que representavam e que todos juntos – após um daqueles dias pesados de trabalho – resolveram sair pela noite curitibana pra tomar uma cerveja, arrumar uma trepada, matar um ou outro abusado e comer alguns cérebros.

E para isso Biscaia contou com o talento de José Aguiar e DW, velhos conhecidos de quem curte quadrinhos nacionais e também colaboradores do grupo em diversas encenações. O casamento (ou funeral, dependendo do humor de quem lê) é perfeito.

A revista é toda em preto, branco e… vermelho! A mistura valoriza tanto a temática quanto o traço estilizado de Aguiar e a tn_280_651_Vigor_Mortis_1_14-04beleza plástica de DW.

Um gibi imperdível, com gosto de gibi de verdade, pra se ler num fôlego só.

Vigor Mortis desencavou uma tradição dos quadrinhos há muito esquecida. Sem dúvida alguma um tapa na cara das pretensiosas produções da Brodway, digo, da maior parte da produção nacional. Principalmente se acompanhado, claro, de uma boa dentada no cérebro.