sábado, 26 de fevereiro de 2011

Ordinárias Cenas da Vida

ordinarioViver numa metrópole é apavorante. Gente demais, trânsito demais, violência demais. E se você morar em uma metrópole como São Paulo, some-se a isso descaso e indiferença.

Mas São Paulo – ou qualquer outra cidade grande – possui um universo próprio. Trágico e desolador, mas também belo e poético. Esse universo passa despercebido à maioria das pessoas, mais preocupadas em entrar no metrô, em pegar o ônibus, em arrumar um emprego ou em pagar as contas.

Mas ele está lá. Basta olhar pro lado certo.

E poucas pessoas conseguem olhar para o lado certo. Machado de Assis soube em sua época, Nelson Rodrigues entendeu como poucos como a sociedade carioca funcionava e expôs todas as suas chagas. Em São Paulo, Plínio Marcos retratou a desgraça paulistana com uma precisão impressionante. Dalton Trevisan não fica atrás.

Aparentemente, para se enxergar esse universo obscuro é necessário ter uma boa dose de lucidez sem deixar de ter a medida exata da loucura.

E Rafael Sica é um desses caras. Ele olha para o lado certo da sociedade. E o que é melhor: resolveu partilhar isso conosco, que não enxergamos um palmo a frente do nariz.

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Ordinário é uma coletânea de tiras de mesmo nome que o autor mantém em seu site e que agora é publicado pela Quadrinhos na Cia.

Se você gosta daqueles quadrinhos rasteiros com os caras de capa, onde invariavelmente alguém troca sopapos com outro alguém e no processo detonam metade de Nova York, pare de ler essa resenha e se afaste de qualquer livraria com o gibi do Sica.

Mas se você gosta de quadrinhos e não só das gostosas de colant que aparecem por lá, compre imediatamente o gibi. Ou então vá ao site de Sica.

Mas já alerto: Ordinário não é um gibi fácil.

Mas é um gibi raro.

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Alguns dizem que Sica é um gênio, outros não chegam nem perto do que ele produz, outro tanto simplesmente confessa que não entende o que ele faz.

Talvez todos estejam certos, talvez não, mas a verdade é que Ordinário é um gibi perturbador. A visão de Sica sobre o ser humano mostra o que temos de melhor, mostrando o que temos de pior.

Ambíguo, desolador, assustadoramente real, Ordinário retrata cenas que poderiam ocorrer aqui em Itaquera, na periferia, ou lá no Centro Velho, em plena Praça da Sé. Do bêbado solitário a família falsamente feliz, do menino cruel ao velho babão, nada escapa ao olhar atento e ácido de Sica.

Seu modo de enxergar o mundo e a forma como resolveu partilhar essa visão impressionam pela crueza e inteligência. Nesse universo agora escancarado, a vida parece um beco sem saída, onde um copo ou um cigarro parecem ser a solução óbvia.

No mundo de Ordinário a esperança é a última que morre, mas morre.

E ninguém comparece no velório…

Desgraças à parte, o lançamento da Quadrinhos na Cia só corrobora o talento de um artista único, incomum, que em menos de uma década já encontrou seu estilo e tem pela frente toda uma carreira de erros e acertos mas que, sem dúvida alguma, será uma carreira singular, que atrairá uma legião de fãs, será tema de trabalhos acadêmicos e influenciará muita gente.

Viver numa grande cidade não é tarefa fácil. Ao escancarar sua janela, Sica e seu Ordinário acabaram de deixar essa tarefa um pouco mais difícil. Deliciosamente mais difícil…

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QaQ2Essa resenha também está disponível no Quadro a Quadro, novo site de notícias sobre quadrinhos. Não deixem de acessar.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Revelações?

revelações1Por sugestão do amigo Lucas Pimenta, comprei o gibi Revelações, de Paul Jenkins e Humberto Ramos (2008 - Devir Livraria - R$ 42,00).

Antes que eu seja ameaçado de morte gostaria de dizer que o gibi é muito bom. Bem acima da média e – mesmo com um preço tão salgado – vale a pena o investimento.

Dito isto, vamos a história.

O Cardeal Richleau, primeiro na linha de sucessão papal, aparentemente se joga de sua janela e acaba empalado nas grades do páteo andares abaixo. Um escândalo sem precedentes no Vaticano. Um de seus amigos – o também cardeal Marcel Leclair – resolve descobrir a verdade e viaja até Londres para cooptar um velho amigo, o detetive Charlie Northern.

Charlie outrora teve muita fé. Infelizmente seu relacionamento com Deus acabou no exato momento em que seus pais foram trucidados por um esquizofrênico.

Chegando ao Vaticano nosso cético herói descobrirá que o aparente suicídio pode ser bem mais do que querem fazê-lo crer. Depoimentos desencontrados, evidências desaparecidas, a cena do crime alterada e uma grande pedra em seu sapato: o misterioso e dissimulado Cardeal Toscianni.

Como pano de fundo, um papa moribundo à frente de um Vaticano envolvido em acusações de corrupção.

Sem dúvida alguma ingredientes suficientes para uma boa história, ainda mais nas mãos do competente Paul Jenkins e do genial desenhista mexicano Humberto Ramos.

O problema é que Revelações não revela absolutamente nada de novo. Tinha tudo para ser um gibi memorável, mas não decola.

revelações2A culpa definitivamente não é dos autores. Jenkis amarrou bem sua história, com elementos de suspense que vão pouco a pouco sendo revelados. Suas personagens são interessantes e a tensão psicológica criada entre o detetive Northern e o Cardeal Toscianni é o ponto alto do gibi.

Mas a intencionalidade em se criar uma trama complexa cobrou seu preço. E ele não foi barato, mesmo sendo Jenkins um roteirista acima da média.

A relação entre o falecido Cardeal Richleau e o detetive Northern não é totalmente esclarecida e esse ponto, alardeado no começo da história com uma precisão narrativa incrível, incomoda pela falta de explicações.

A seita milenar a qual o Cardeal Toscianni pertence – e que tem papel prepoderante na trama – não diz a que veio e a impressão que fica é que foi colocada na história apenas como uma pista falsa. Pela importância narrativa que tem, uma pista falsa é muito pouco.

Outro exagero é a gratuidade do escândalo financeiro envolvendo o Vaticano. Nada traz de útil à história e seria facilmente dispensável.

O final quase conserta os erros. Digo quase porque perdeu-se tempo demais em um sem número de pontas soltas e amarrá-las todas em um único capítulo – num gibi que possui outros cinco – pareceu-me apressado demais.

Ainda assim, Reveleções é um gibi muito melhor do que a maioria das coisas que vem sendo publicadas no mercado norte americano. Vale os quarenta contos que cobra? Vale, sem dúvida. Ainda mais porque a história – repito – é bem amarrada e equilibra bons momentos de ação com tensão psicológica.

E tem a majestosa arte de Humberto Ramos, o que, por si só, já vale cada real. Se for numa promoção então, não pense duas vezes.

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domingo, 13 de fevereiro de 2011

Tex e o tempo em que brincávamos de cowboy

Em parceria com o Quadro a Quadro

Logo

As primeiras lembranças que tenho remontam aos meus cinco ou seis anos. Ainda não sabia ler, mas faltava pouco pra isso.

Forrando uma caixa de sapatos velha um monte de quadrinhos cortados e colados grosseiramente, naquela habilidade típica de criança. Dentro, uma porção de gibis do Pato Donald comprados na barraca de usados da feira de sábado.

Isso pode parecer estranho hoje, mas na década de 70 as feiras livres possuíam barracas cheias de gibis e revistas usadas. Meu pai era um cliente habitual. Na verdade, meu pai era um viciado em quadrinhos.

E foi ele quem me apresentou aos gibis. Primeiro Disney e Maurício de Souza (bastante apropriados para crianças de cinco anos). Dois anos mais tarde me presenteou com Capitão América nº 07, da Abril. Ele não fazia idéia da besteira que estava fazendo e como aquilo definiria minha vida a partir dali.

Mas nesse meio tempo aprendi a ler, basicamente graças aos gibis e a enorme paciência de minha mãe. E também conheci três caras bem bacanas, cuja importância nos quadrinhos só fui compreender totalmente décadas depois: Fantasma, Mandrake e um cowboy durão chamado Tex.

TEX22E foi esse último que se tornou meu preferido. Meu pai era um fã do ranger desde criança, ainda nos tempos em que o herói era chamado de Texas Kid. Das antigas revistas Junior da infância do meu pai não vi nem sombra, mas me lembro muito bem dos gibis da Vecchi lá em casa. Eu ficava horas olhando aquelas desoladas paisagens, aquelas carroças e carruagens, os índios em seus cavalos e, claro, o nosso herói.

E era ele que me inspirava nas brincadeiras de bandido e mocinho com meus primos e amigos. Naquele tempo vendiam-se armas de plástico em qualquer loja de brinquedos. Era um mundo muito diferente. E brincávamos armados: o xerife, os “cruéis” indíos navajos e as pobres donzelas (tadinha da minha irmã).

E eu era o inabalável, justo e corajoso Tex Willer.

A verdade é que mesmo com uma recém adquirida (e ainda deficitária) capacidade de juntar aquelas incompreensíveis letras dentro dos balões, os gibis de Tex conseguiam fazer um pequeno frangote como eu – que nem sabia somar ainda – entender valores extremamente complexos como amizade, honra e abnegação.

Meu pai faleceu em 1994, às vésperas de completar 50 anos, em virtude de um outro vício, que degradou seu corpo e mente. Em sua herança havia uma porção de más lembranças, um relógio lindo mas quebrado, um par de abotoadeiras poucas vezes usada, uma câmera Olympus com o obturador rachado e nenhum gibi.

Mas não precisava. De todas as coisas possíveis que um filho pode herdar de seu pai eu fiquei com a melhor: a inexplicável e maravilhosa paixão pelos gibis.

Talvez por isso estivesse tão nervoso quando me sentei à mesa na Fest Comix no ano passado. Do outro lado, o italiano Fabio Civitelli – um gênio do traço e sem dúvida alguma um dos maiores desenhistas de Tex em todos os tempos.

O simpático desenhista ficou comovido quando soube que meu pai, que tinha me apresentado Tex, havia falecido e que era aquele o motivo pelo qual eu estava ali naquela tarde: para pegar – em sua homenagem – um autógrafo na edição Tex Especial Civitelli.

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Sai dali exultante e emocionado. Mas havia um problema – e dos graves: não consegui abrir o gibi pra ler.

Sim, os fãs de Tex podem me achar um ser louco e repugnante. Em minha defesa posso dizer apenas que não sou repugnante. As acusações de loucura serei obrigado a acatar. Mas havia lembranças demais envolvidas.

Nessa semana, organizando os gibis, peguei na mão a edição especial. Vi o autógrafo e resolvi que era a hora.

Li a história Presságio, um catatau de mais de 300 páginas, numa única tacada. Na época do lançamento, o gibi foi alardeado como uma das melhores histórias de Tex e a preferida do renomado desenhista. Nenhum elogio – absolutamente nenhum – foi exagerado.

Presságio é uma remake de uma antiga aventura do herói chamada Sinistros Presságios (publicada originalmente na Itália em 1965) e gira em torno de uma história de vingança de um velho feiticeiro contra Tex, líder da nação navajo e respeitado por todos. O peão de manobra do feiticeiro é um índio navajo chamado Urso Veloz.

Tex, ao longo das últimas seis décadas, como todos os personagens de quadrinhos com tal longevidade, foi amadurecendo, suas histórias se tornando cada vez mais elaboradas, com construções narrativas que pouco lembram as primeiras publicações, ainda no formato de tiras.

Prova disso é a magnífica série que vem sendo publicada atualmente no Brasil nas edições Tex Gigante, onde nosso herói se embrenha por lugares inóspitos à sua cultura, em histórias estupendas nos mais remotos lugares.

Mas Presságio tem algo a mais. Algo que foge ao controle de seus criadores. É aquele tipo de história que define um personagem.

A trama – aparentemente simples – vai sendo recheada de outros elementos à medida em que a lemos. O que era apenas uma história de vingança assume ares de conspiração com a entrada em cena de um oficial do exército corrupto e ganancioso.

As personagens – mesmo as secundárias – possuem credibilidade e – algo raro nos quadrinhos e que deve ser comemorado – profundidade.

Aspectos da massacrada cultura indígena norte americana são muito bem aproveitados na trama. Não é um livro de história ou folclore, obviamente, mas o pouco que é mostrado nesse sentido é feito com extrema naturalidade.

Até um inesperado interesse romântico nos é ofertado.

E tudo isso dentro de um roteiro maduro, adulto. E com a arte soberba de Civitelli.

Mas não é apenas o roteiro bem estruturado ou a arte deslumbrante. Presságio traz muito mais que isso.

A história – cujo roteiro é também de Civitelli, em parceria com Claudio Nizzi – nos mostra algo muito maior do que um gibi de faroeste.

Presságio é uma história sobre honra. Um história que nos conta como um verdadeiro homem deve se portar ante às adversidades. Uma história de amor: de um filho e seu pai, amor entre amigos e até entre povos diferentes.

Mas sobretudo, Presságio nos traz uma história de dimensões humanas reais, coisa rara nos quadrinhos em geral, mas já conhecida dos leitores italianos e da enorme comunidade de fãs espalhada mundo afora.

Terminei de ler o gibi com um nó na garganta. Fui até a TexEspecial1Civicozinha, tomei um café e acendi um cigarro.

E me lembrei de meu pai sentado no quintal de cimento cru, lendo um Tex comprado na feira, enquanto eu brincava de cowboy, armado de um colt de tiros de espoleta e montado no Carimbó – o enorme viralata que tínhamos.

Sem dúvida alguma, Presságio um dia será apresentada também ao meu filho…

QaQ2Essa resenha também está disponível no Quadro a Quadro, novo site de notícias sobre quadrinhos. Não deixem de acessar.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

No tempo em que as trevas dominavam as bancas…

Em parceria com o Quadro a Quadro

Mv_TerrorFui surpreendido pouco tempo atrás com um lançamento nas bancas de jornais no mínimo inusitado: Marvel Terror, volume 01.

Comprei. Não é sempre que temos lançamentos do gênero nas bancas. Não precisei mais do que uma folheada…

Mas não satisfeito li, já sabendo o que ia encontrar. E não me decepcionei. Ou melhor, não me decepcionei na já esperada decepção daquela primeira folheada.

O que vi foram monstros anabolizados, muito mais próximos da linguagem dos games do que da monumental tradição americana em quadrinhos de terror. Esse Marvel Terror sequer faz juz à tradição da própria Marvel, que na década de 70 lançou seu inesquecível Tomb of Dracula, no Brasil publicado pela Block Editores (no seu selo Capitão Mistério) e pela Abril numa curta série.

Uma história pretensiosa demais mas que saciará a sede de sangue de nossos adolescentes, acostumados a monstros alterofilistas e vampiros bonitinhos. Mas que passará ao largo para aqueles que, como eu, já possuem mais de 35 anos.

E a razão é simples: somos de uma época em que quadrinhos de terror davam medo de verdade e as bancas de jornais eram um lugar escuro… e perigoso.

Se você não quiser saber segredos sórdidos de seus pais e tios pare a leitura agora. Essa matéria contém spoilers sobre a vida da molecada dos anos 70.

Tudo começou com o meu pai. Não, não estou falando daquela noite em que ele e minha mãe…

Estou falando de alguns anos depois daquela noite, mais especificamente das noites de sexta feira.

Enquanto minha mãe dormia, eu fingia dormir. Por volta das onze da noite meu pai chegava sorrateiro até a minha cama e dizia em um tom quase inaldível:

- Vem, vai começar.

O_MONS~1E íamos os dois assistir às saudosas Sessões da Meia Noite. Quase todo canal de TV aberta reservava esse dia e horário para filmes de horror e mistério e era assim que chamávamos tais sessões. Produções baratas, sangue de catchup, histórias insanas e muita mulher seminua. Os filmes de terror das décadas de 70 e início dos 80 eram adoráveis.

Claro que fiquei viciado. Eu e todos os meus amigos de escola. Discutíamos os filmes, comentávamos sobre aquela gostosa que mostrou uma banda do seio enquanto saia do chuveiro, pouco antes de ser morta por um demoníaco monstro deformado, e mais um monte de absurdos que achávamos o máximo.

Não havia MSN, Orkut ou Facebook. As discussões se davam no sábado, nas brincadeiras de rua, no domingo, antes da missa (quanta heresia) e durante a semana, na escola.

E para a desgraça eterna da minha família, numa viagem ao interior, para acalmar meu gênio irriquieto e irritante, meu pai me presenteou com gibi de terror, na verdade uma Calafrio…

Aquilo foi um desastre. À partir dali eu – e depois meus amigos, por minha influência – estávamos viciados não apenas em filmes de terror como também em gibis…

E a Banca do Seu Marcos era o nosso cemitério.

Quem não viveu isso e está acostumado a ver tantos super heróis e gibis que se lêem de trás pra frente não pode imaginar o que eram as bancas naquela época.

Havia gibis de super heróis? Sim, numa guerra absurda entre as editoras RGE e Abril (a Abril acabou ganhando pouco tempo depois).

01_kriptaMas o que mais havia era sangue em preto e branco.

Sobrenatural, Histórias do Além, Pesadelo, Tumba de Drácula, Mestres do Terror, Calafrio e mais um monte de almanaques, especiais e títulos que pipocavam todos os meses e sumiam 03 edições depois. Mas sobretudo havia Kripta e Spektro, as duas melhores revistas de terror publicadas no Brasil em todos os tempos.02_Spektro

Não acredita? Dá uma olhadinha no preço delas nos sites de leilão. Aproveita e me avisa se achar alguma das primeiras edições a menos de 40 contos.

Kripta publicava material norte americano, das extintas Creepy e Eerie. Spektro começou como Dr Spektro, publicando material importado, mas poucas edições depois só havia material nacional – e de altíssima qualidade.

03_CalafrioNão há como comparar a dinâmica, sangrenta e vazia Marvel Terror com qualquer edição dessas duas publicações. O que você encontrava ali não era apenas um punhado de víceras decorando as paredes. Você a toda hora trombava com gênios como José Ortiz e Richard Corben, Shimamoto e Colin. Você lia histórias que o assombravam durante semanas, que o faziam caminhar por cantos claros quando o Sol se punha. Até hoje aquele material é surpreendente e assustador.

E ficávamos ali, folheando as revistas a procura de mais uma decapitação, mais um peitinho (e como o Colin adorava desenhar peitinhos). De vez em quando o Seu Marcos botava a gente pra correr, mas no final das contas acho que até ele se divertia com aquilo.

Mas a Spektro (e a própria Editora Vecchi) acabou. A Kripta se foi pouco tempo depois. A Calafrio e a Mestres do Terror preencheram a lacuna por dez anos, mas não resistiram a tantos planos econômicos e a uma inflação que já fazia o gibi sair na banca com uma margem de lucro muito menor do que o necessário a sua sobrevivência.

E pouco a pouco os títulos foram rareando. Os que tiveram uma sobrevida viram sua qualidade gráfica (e de conteúdo) definhar. No fim, o Morto do Pântano e o cético jornalista Jonas Beltron não resistiram a Batman e Homem Aranha.

E é por isso que a iniciativa da Panini não me empolga. É uma revista pobre demais para a gigantesca tradição norte americana. E a mim, que vivi de perto o último suspiro do gênero mais brasileiro e original de nossos quadrinhos, Marvel Terror não passa de uma diversão de ônibus – e apenas se eu já tiver descolado um banco pra ir sentado, não vale o esforço do equilíbrio se estiver em pé.

Mas será que ainda existem lugares escuros nos quadrinhos?

Sem dúvida. A magnífica série 30 Dias de Noite, de Steve Niles e Ben Templesmith, ainda que já mostre sinais de cansaço, é um ótimo exemplo. Pixú (dos gêmeos Moon e Bá em conjunto com Vasilis Lolos e Becky Cloonan) não decepciona. Sempre temos Hellboy, apesar do preço, e a Editora ARX, selo da Saraiva Editorial, vem publicando um excepcional material espanhol.

AD_MESMO_DELIVERYloE de vez em quando somos violados com coisas realmente supreendentes, de qualidade muito acima da média, como é o caso de Necronauta do Danilo Beyruth, O Vampiro que Ri de Suehiro Maruo, Mesmo Delivery do Grampá e o terrível, assustador e belíssimo Prontuário 666, de Samuel Casal, contando os anos de cárcere do Zé do Caixão.

Mas ainda é pouco pra semear a escuridão. Situação que tende a mudar com o olhar cada vez mais Prontuario666atento sobre a produção nacional, o que inevitavelmente trará em sua esteira ótimas histórias de terror.

Mas até lá continuaremos vendo vampiros seduzindo jovens adolescentes. Deus! Os caras se alimentam de sangue, já imaginou o hálito das figuras?

Ou então lendo sangrentas histórias de Lobisomens vítimas de conspirações governamentais e com crises de consciência…